domingo, 20 de dezembro de 2020

Ode à Beethoven

 


Ouvindo o vento agitando as folhas da jardineira, e crianças brincando distante, lembrei-me de Beethoven. Como pode alguém compor uma música sem ouvir a melodia, uma nota sequer? Apenas na lembrança dos acordes? Na experiência quase matemática pautada com Claves? Apenas com a imaginação? Assim, resumimos os gênios, aqueles que encantam pelo inexplicável. Arautos silenciosos da sua criação. Aqueles que transcendem as fronteiras, e tornam-se imortais sem querer. Trazem orgulho à humanidade através de uma ideia, uma invenção, uma obra prima na forma de sinfonia. Uma ode à alegria. 

As folhas estão menos agitadas, num doce chacoalhar do início da tarde, as crianças foram almoçar, Beethoven acorda e nos diz:


 "Abracem-se milhões!

Enviem este beijo para todo o mundo!

Irmãos, além do céu estrelado

Mora um Pai Amado

Abracem-se milhões!

Enviem este beijo para todo o mundo!

Alegria, formosa centelha divina

Filha do Elíseo

Alegria, formosa centelha divina, centelha divina"*.


Homenagem aos 250 anos do nascimento de Ludwig van Beethoven. (*parte final da 9a. Sinfonia)


Aquarela e texto de


Isaac Furtado

sábado, 7 de novembro de 2020

Olhar da Rainha




 "Seus olhos são penetrantes

e como torres inflexíveis, 

muralhas impenetráveis.


Seus peões, exército que não recua.

Jamais empata, como na vida,

onde só existem vitória ou derrota.

Jogo de quem não mata, morre.


Seus movimentos adoráveis,

com cavalos galopando livrementes,

e bispos a excomungar infiéis.


Sua precisão é matemática, 

em tabuleiros embriagantes. 

Vislumbrados além da mente,

do teto. Uma rainha cativamente!"


Isaac Furtado  

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

BRASILEIROS


Tem Maria de todo jeito. Tudo que é José merece respeito. Tem Raimunda, Expedito, Nonato, sujeito com todo nome. De estrangeiros estamos cheios, com Ws, Ys e Ks demais, mas tudo brasileiro.

Se na mata tem misturados, Peba, Cutia e Preá, temos que também viver direito, as diferenças deixar de lado, e dar-se mais respeito. Se eu sou alvi-negro, levanto minha bandeira com louvor. Mas, pra que quebrar o pau na cabeça do tricolor?

Se eu sou canhoto, sou minoria. Pra que ser revoltado, só porque abro uma lata enviesado? E não se ria! Pois, conheço muito bem o seu pecado. Prefiro sempre ver o copo meio cheio e de mãos dadas com a virtude, seguir o rumo, o caminho do meio.

Aqui cabe todo mundo, nesse país continente está cheio de cabra forte e de mulher valente. Eu estou só esperando essa praga ir embora, pra te dar um abraço da hora, no cangote dar um cheiro, e gritar: Bah tchê eu sou é brasileiro!

quinta-feira, 16 de julho de 2020

POVO BRASILEIRO



Somos um país de Sincretismo. Religioso, político e social. Somos o país do futebol. Amálgama de uma terra farta. Somos um nó Górdio, que nunca aparta. Somos um povo valente, plácido e contente.  Somos mais do que dois lados. Filhos de Machado de Assis, Rachel de Queiroz e muitos "brasis". Somos mistura, feijoada, capinha, cocada, pão de queijo e vatapá. Queremos simplesmente amar.

Isaac Furtado

sexta-feira, 10 de julho de 2020


O herói é tudo, só não é covarde.
É preto, pardo, branco.
É forte, baixo, manco.
Discreto, não quer alarde.

O herói é tudo, só não é ladrão. 
É louro, mouro, hetero, homo.
É doutor, soldado ou capitão.

O herói merece toda gratidão,
um grande buquê na glória,
uma medalha na pandemia,
um bronze, alegoria da memória. 

O herói salva um gato,
uma guerra, uma nação.
Não morre não, vira história. 

Isaac Furtado

Arte digital inspirada na obra O HERÓI (1966/2010) de Anna Maria Maiolino. Doada em 2015 para o MASP.

sábado, 20 de junho de 2020

Rio Lete


Somos os reflexos dos nossos atos.
Somos a chuva que deu a vida.
Somos o vento que trouxe a chuva
e mudou os reflexos.
Todos filhos de Maia.
Todos sob o seu véu,
sob turva realidade.

Somos descendentes de Aleteia,
Somos carentes da verdade.
Somos metades parecidas.
Todos mergulhados no Lete.
Todos buscando respostas,
de perguntas esquecidas.

Isaac Furtado

RIO LETE Aquarela e tinta dourada sobre papel. Díptico de 24/36 cm. By Isaac Furtado
Obra baseada na escultura "Amnésia" de Flávio Cerqueira, para o desafio do MASP #maspdesenhosemcasa
Lete literalmente significa "esquecimento". Seu oposto é a palavra grega para "verdade" - Ateleia. Na mitologia grega, Lete é um dos rios do Hades. Aqueles que bebessem de sua água ou, até mesmo, tocassem na sua água experimentariam o completo esquecimento. Fonte Wikipédia.


domingo, 7 de junho de 2020

Our cry is one




#ourcryisone


Por amor!
Nosso grito é um só. 
Então, respeite
sua cor, Seu Deus,
Seu time, sua paixão.

Qualquer cidadão tem dois limites,
entre o seu dever e o seu direito,
sei que existe um só coração.

Portanto, não alimente os lobos
da destruição. Alimente aquele 
que vive, constrói e clama.
Nosso grito é um só. 
Por amor!
.
.

For love!
Our cry is one.
So, respect
your color, your God,
Your team, your passion.

Any citizen has two limits,
between your duty and your right,
I know that there is only one heart.

So don't feed the wolves
of destruction.  Feed that
who lives, builds and cries out.
Our cry is one.
For love!

Isaac Furtado 

quinta-feira, 21 de maio de 2020

O farol

Hoje acordei cedo, antes da hora,
na verdade, antes do dia nascer.
Ainda no torpor da noite,
olhei pela fresta da cortina,
vi os primeiros tons da manhã,
as primevas cores do alvorecer.

Era o Sol a nos animar.
Tingindo em tons violáceos,
da primeira e púrpura luz
de uma manhã vazia.
Todos ainda a dormir,
mas ele insistiu,
desafiando o horizonte.

Pintando nuvens distantes,
agora de laranja, quase rubro.
Eram os primeiros acordes,
da divina sinfonia do dia.
Mas, ainda ninguém acordou.
O Sol já a meio palmo
do céu então se irritou.

Ordenou aos ventos
que se retirassem,
nenhuma folha se movia.
Foi quando ele derramou
o seu calor descomunal
sobre os pobres mortais.
Mas, ainda ninguém apareceu.
Nas ruas, duas almas perdidas.

Apolo sem entender, enviou 
Mercúrio para terra, querendo 
entender o porquê daquela calmaria.
Em segundos ele retornou.
  • Meu senhor, uma peste!
  • Como assim mensageiro?
  • Um contágio, uma praga!
  • E quem se atreve a ser mais
poderoso do que eu?
  • Um ser invisível, minúsculo, 
e ainda porta uma coroa.
  • Nenhum rei irá me destronar!

E assim o dia passou, quente, vazio,
num descompasso inédito, desesperador.
Em Zênite o Sol não abrandou seu calor.
Mostrou que ele é o mentor da vida.
Caminhou sua implacável sina para o Oeste.
Naquela tarde morna, ainda ensaiou pintar
com uma paleta diferente. 
E em pesados tons de azuis marinhos
foi deitar-se despercebido e irritado.

Passando o bastão para Nix,
deusa e rainha da escuridão.
Mas, ainda havia estranheza.
E nem a beleza da diva
fez os humanos felizes.
Todos estavam acuados,
trancados nas suas alcovas,
dormentes, apavorados.

Foi quando Minerva se apiedou.
Deu de presente para os frágeis humanos
um farol. E avisou!
  • Sejam clementes!
  • Sigam a luz pulsante da vida.
  • Sejam pacientes!
  • Segurem a esperança perdida.
  • Salvem o seu próximo!
  • Sempre haverá um novo dia.

Isaac Furtado 

Escrito no dia 21 de março. No Dia Internacional da Poesia. 








quarta-feira, 20 de maio de 2020

A MESA DA CRIAÇÃO



A mesa da criação estava posta. A luz, o verbo e a proposta de tudo que existe. A inspiração veio da Sistina, obra-prima do mestre Renascentista. Afresco central que foi o primeiro passo daquela construção. Mas, sobre aquela mesa não havia garfos, nem facas. Postos quase em simetria, estavam o Criador e a criatura. Figuras que depois de dias de trabalho misturaram-se, ficaram somente ossos expostos, descarnados de qualquer dor. Articulados em extensão, na ânsia por um encontro, uma arrebatação. E no toque da falange distal fez-se Adão, arremedo de um único projeto. Homem faltante e faltoso, bom e maldoso na amálgama da confusão. Sedento por sua Eva, ansioso por um ato, uma consumação, um pecado ignorado.
De lá para cá muita história aconteceu, o fogo de Prometeu, os romances de Voltaire, o tempo inventado com ponteiros a nos lembrar. Mas, o tempo não gira, ele apenas segue. Fugidio como a areia que escorre por entre os nossos dedos, como a sombra que passa sob os nossos pés. "Tempus fugit"!
Nós somos criaturas de dupla essência, uma alma pedinte por salvação e um corpo sedento por paixão. Mas, quem vencerá? O vírus ou a vacina? O tempo ou a sorte? O Sol ou a neblina? A pergunta ou a resposta? Quem será mais forte no poema de Kipling, o rei ou a plebe? Quem será de se senhor, nessa vida que segue?
Eu apenas pinto velas e esfinges, mementos da nossa impermanência. Transcedo o triste momento, seguindo a minha vontade. Criando esboços sobre espuma de sabão. Sou súdito de uma beleza, de uma lunática ambição, a imortalidade.

Isaac Furtado 

sábado, 16 de maio de 2020

Patuás e Canários


Um vento estranho soprou do Oriente.
Não foi o pólen das margaridas que ele levou.
Tão pouco, disseminou o amor entre os homens.
Rapidamente ele cruzou montanhas,
mares, barreiras intransponíveis.

Ele foi rápido e atroz! Secando o trigal
de repente, nas primeiras horas de
uma manhã dormente.
Os dois pilares dóricos não foram fortes
o suficiente, e o mundo inteiro quase desabou. 

Era um vento sem tempestade,
e nenhuma folha se mexia,
somente homens tombavam.
Pessoas fugiram para suas casas,
com seus sonhos, patuás e canários.

A primavera passou ao largo,
sem cheiros ou amores.
O rei invasor foi um vento tirano,
avassalador e soprou, soprou.
Humilhando Átila, Gengis Gan
e Nabucodonosor.

Doravante, mais do que sorte precisaremos,
e o clichê dos três "F"s fez-se reticente.
Foco na organização do lar, do trabalho,
corpo e mente.
Força para atravessar tormentas
e nadar contra a corrente.
Fé, pois amanhã será diferente.

Assim, como um dia foi, uma tarde é,
uma noite será melhor, ou pior de repente,
mas nunca será indiferente.
Do trigo seco fez-se pão, e de um ninho
displicente nasceu um pequeno rebento.

Foi quando todos saíram de casa,
agora mais atentos,
olhando sempre para o horizonte.
O mundo era agora diferente,
estávamos vacinados,
vigilantes.


Isaac Furtado 

quarta-feira, 13 de maio de 2020

Trilogia Escarlate




I

Dorme e acorda a cidade.
Acordam e dormem os sonhos.
Anseios, angústias em comunhão.
E já se vão dois meses.

Muitos vaticinam em vão.
Da rua eu tenho medo.
Agora, em fobia eu pareço.

Na vida, tudo tem o seu preço.
Uma máscara ou um avião.
Houve o tempo da "belle epoque",
do Tostão e da escravidão.

Hoje vivemos em "lockdown".
Mascarados em figutiva e
literal figura, ladrão e cidadão.

II

Elas passavam levemente. 
Lentamente tingindo-se de rubro.
Ah, que belo tempo perdido!
Ah, que paleta escarlate!

A cidade continuava lá. 
Parcos transeuntes a perambular. 
As casas, os prédios respiravam.

Eu suspirava olhando o horizonte. 
E as nuvens passavam,
como passa o gado, os desejos.
Mas, para onde?

Do tempo, eu conheço a sina.
O seu destino, a sua eterna 
e doravante cantiga.

III

E a noite tombava em cianos tons.
Pesadas nuvens iriam passar.
O céu, o sereno, a mágoa também.
Por último, se foram os marrons. 

Todos estavam lá na despedida. 
O último Cúmulo ferido partiu,
arranhando o firmamento.

Efêmero era aquele momento.
Certo e curto o seu vencimento.
Paro ali porque quero, e espero.
Pois, amanhã eu não sei.

Ouço a minha amada.
Até mais doce Aurora!
Até semana que vem!

Isaac Furtado



segunda-feira, 11 de maio de 2020

A MÁSCARA




Quase tudo estava normal, até o momento em que ao atravessar uma rua apressadamente, minha máscara caiu. Tentei segurá-la sem sucesso. O vento alheio ao meu sofrimento brincava, como se ela fosse uma bailarina num balé com suaves movimentos em rodopios, que de longe mais parecia uma folha seca de outono. Aflito, ainda vi o momento em que ela pousou. Corri, e para o meu desespero vi aquele objeto precioso numa poça d'água na sarjeta. Fiquei ali alguns segundos, vendo aquele objeto afundar, até ficar apenas com a ponta do elástico para fora. Ali, inerte e olhando aquela cena, como quem vê uma pessoa se afogando, sem nada poder fazer. Assim, terminava o primeiro ato daquela tragédia. 
 Tentando escapar da rua, andava por entre ruelas cada vez mais estreitas, que mais pareciam um labirinto. O fluxo de pessoas ia aumentando, todas sem máscaras, felizes e alheias à pandemia. Algumas até tentavam conversar comigo, crianças, moças bonitas, e velhos pedindo informações. Eu me esgueirava para os lados, apenas colocando a mão para frente, sem abrir a boca, num gesto de pare: Afastem-se!. O segundo ato acabava com o protagonista, este que vos fala, a procura de uma simples pia para lavar as mãos.
 Depois de entrar em várias lojas procurando a bendita pia, todas cheias de clientes atraídos por promoções e muitos esbarrões, encontrei-a. Abri a torneira e saiu uma água minguada, amarelada de ferrugem, e para completar: Cadê o sabonete? Naquela altura, eu já me considerava contaminado. Foi quando, a mais ou menos um metro e meio, uma senhora deu um forte espirro. Daqueles que não dá tempo de segurar, colocar a mão. Eu senti as gotículas me atingindo, e aquele maldito cheiro característico. Pronto, era o meu fim, não sabia mais o que fazer. Diminui o passo, andando sem direção com os braços agora colados ao corpo, afora dois momentos em que tossi e cocei os olhos.
 Apático, perdido naquele labirinto e sem um fio para me guiar de volta, baixei a cabeça. Não havia ninguém, nem Teseu, nem um Minotauro. O meu inimigo era invisível, cruel e monstruoso nas suas atitudes. Parado no centro do palco, já febril, inspirei profundamente pela última vez, resignado com a minha impermanência. Terminava assim o terceiro e último ato.
 Suado, inclinei-me para frente em saudação, e dando dois passos para trás finalizei aquele pesadelo, digo aquela peça. O público estatístico no teatro lotado, titubeou em aplaudir. Todos estavam compadecidos com o triste final do bardo citadino. As cortinas fecharam. Apagaram-se as luzes, e no escuro da ribalta escutei os aplausos fervorosos, com os "bravos" reticentes. Depois de um minuto, ouvi passos apressados e uma correria para fora do teatro. Todos saíram desesperados para comprar uma máscara. Mas, era tarde, e a tragédia da vida real já estava acontecendo.


Fortaleza, 11 de maio de 2020.


Isaac Furtado 

quinta-feira, 7 de maio de 2020

A vida e a pasta de dente


Hoje pela manhã enquanto eu escovava os meus dentes, pensei no momento difícil em que estamos todos passando. Parei, olhando para o espelho nos olhos por alguns segundos. Coloquei o tubo de pasta de dente já meio espremido ao lado e refleti. Como a vida é frágil! E como ela está maltratada! Seria a vida um tubo de pasta de dente? Tão barato? Tão pouco lembrado? 
Nos momentos difíceis é que damos valor às pequenas coisas. Observamos os detalhes mais banais, valorizamos os que estão distantes, e sentimos falta da liberdade. Só nos resta então cuidar melhor de que está ao nosso redor. Ser mais atento em tudo, no que ouvimos e falamos. Sempre aprendendo mais para ser melhor. Mas, não para você mesmo, e sim para poder ajudar ao próximo. Pois, só seremos melhores juntos.
Assim, como o tubo de pasta de dente, a vida um dia irá acabar. Entre o começo do tubo cheio e lustroso, e o fim enrugado e espremido, nunca pensamos nele. Assim também é a vida, só pensamos nela perto do fim. Enrolamos e apertamos para sair a última gota vital. A diferença é que o tubo você pode ver se está perto de acabar, a vida não. Portanto, para ter um sorriso melhor, use os dois com prudência. Eles podem durar o dobro do tempo!


Fortaleza, 07 de maio de 2020. 

Isaac Furtado