quarta-feira, 2 de novembro de 2022

eRRo




RAIVA, um sentimento nada nobre, mas, fazer o que? Somos humanos. Assim, o primeiro R se revela, num ranger de dentes, num tremer de olhos, engolindo a seco, alimentando a biles, num sofrer sozinho. E como errar de novo é fácil! Porém, continuamos pelo caminho, com a velha raiva nos consumindo em alma e carne, em pensamentos e ações. Ela é filha da ignorância com o desespero, e irmã do medo. E como tais é alimentada pela mera consciência da sua existência. Um parasita de si mesmo, uma ideologia sem méritos. Como o escorpião que pede carona ao sapo para atravessar o rio, os dois morrerão. Jamais passe um pano sobre a raiva. Pois, você irá simplesmente espalhá-la no ar como um vírus. Para raiva só existe um antídoto, uma vacina… O amor.

RANCOR, o segundo R que persegue a nossa história. Rancor de não ter a vitória, de nada fazer e tudo perder, de não conseguir esquecer, de se arrepender. Aquele que rima com dor. Andor dos fracos e dos desesperados. Rancor dos mal amados e dos abandonados. Seu maior aliado é a memória, a vívida lembrança de um ocorrido, mesmo que de tempos idos. O seu antídoto não é uma vacina que se repete. Como seria bom se lembrássemos somente dos momentos de alegria!  Infelizmente  não é assim, e para aliviar o rancor, somente um mergulho no rio Lethe. Suas águas frias e sua forte correnteza levarão tudo embora, restará somente o esquecimento. 

Por isso o ERRO tem dois Rs, o da raiva e o do rancor. Pois isso, nesse momento eu te peço por favor, não erre mais de uma vez. Ore para evitar o erro, melhore para viver com retidão. Para raiva uma rosa em botão, para o rancor o perdão.


Isaac Furtado 


quinta-feira, 14 de abril de 2022

O que você vê?

 


O que você vê?

Um olho, um ovo,

ou o coração sagrado?

O que você vê mesmo?

A virtude ou o pecado?

Uma tabula rasa,

ou o número da sua casa?

A primeira letra do seu amor,

vê rancor ou bem querer?


Me diz, o que você vê?

Passagem, Páscoa, transformação?

Arte feita de forma ou abstração?

Vê um globo, uma fenda, 

ou um orifício?

E aí? Está difícil?

Pelo menos me diga a cor,

azul ou amarelo?

Borgonha ou Bordeaux?

Seja lá o que for,

me diga, o que você vê?


Isaac Furtado 

sábado, 19 de março de 2022

CALIGRAFIA



Levei milhares de anos, com traços e pontos cuneiformes para me aperfeiçoar. Arranhei do barro mole, aos pergaminhos dos cordeiros. Das sombras das rupestres, às pedras dos mais altos cumes. 


Desenhei hieróglifos em papiros, esculpi muitas guerras em obeliscos e pirâmides. Estelas foram fincadas no chão, todas dedicadas à glória da eternidade. Criei o zero e o símbolo de multiplicação. Somei tudo buscando uma perfeita equação, um símbolo para o infinito. 


Escrevi o mito do Alfa ao Ômega, agradeço aos gregos e romanos. Escrevi a fé nas tábulas rasas dos profetas por milhares de anos. Sejam eles Celtas, católicos ou muçulmanos. Escrevi a ciência de Hipócrates e de Avicena. 


Sou a beleza escrita, seja nas iluminuras góticas, ou nos calendários Maias, no Kanji japonês ou no cachemir chinês. Numa medina otomana ou num templo indiano. Seja na sinuosa Art nouveau ou nos ângulos da Deco. Eu sou mais que memórias, sou os códigos escritos da história que perdura. E do A ao Z eu sou o teu traço, teu registro, tua assinatura.


Isaac Furtado 




segunda-feira, 7 de março de 2022

Flagelo Vermelho

 



 

 Esse flagelo vermelho que ceifa a vida. Essa besta flamejante que espuma veneno e exala enxofre. Esse demônio que é filho da Ambição com o Orgulho, a GUERRA. Criatura que participa da desleal batalha entre a vida e a morte. No entanto, curta é a sua desolada vitória em zona de ninguém. Seus louros são arames farpados com sangue de inocentes. Seus Campos Elíseos, pântanos enlameados de desilusão. A vida nunca se vinga, ela apenas se sobrepuja. E mesmo no mais ermo páramo, ela desabrocha. 

 A guerra entre o homem e o homem é insensata. É deleite para o mal, que assiste de camarote rounds de carnificina. Quando uma bomba cai sobre um hospital, sobre uma creche, ela cai na verdade sobre a esperança na humanidade. Homo sapiens ou Homo bélicos?

 A noite não traz sossego, apenas uma breve trégua de um amanhã incerto. Cidades caem em escombros, ruínas sem musgos, sem brilho. Pessoas fogem das suas ruas, dos seus bairros, estados, países. Mas, ir para onde? Se a bomba nos segue tão longe! Se a pomba não é páreo para o drone! Prenúncios apocalípticos aceleram e apertam nossos corações.  

 Palavras de nada valem se não temos o dedo no botão vermelho. A liberdade não é o mérito do livre-arbítrio, apenas a responsabilidade de levar nas costas o dever de fazer o bem e construir algo melhor. Porém, muitos não querem isso. Preferem ser marionetes de algum ditador. Palavras ao vento de um mundo surreal. Como queremos construir um universo virtual? Se mal cuidamos do nosso quintal?


Isaac Furtado

sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

Más caras




 Estamos vivendo um momento de máscaras, mas não aquelas que nos protegem das pandemias. Eu vou falar das máscaras colocadas para nos proteger do vazio existencial que paira sobre nós. Como aquele emoji do sorriso, vejo todos felizes nas mídias sociais, no entanto, a realidade é outra. A cada dia, vejo mais caricaturas grotescas de uma sociedade fissurada, alienada em bolhas instáveis, sedada e medicada por psicotrópicos. Porém, muito distante de ser tratada.

Tratamento não é maquiagem, é algo mais profundo e duradouro. Antes de ser cirurgião plástico, sou médico, e como tal, eu devo restabelecer a saúde daqueles que me procuram. Praticando a "Ars curandi", a arte de curar. Infelizmente, muitos esqueceram do verdadeiro conceito de saúde, do restabelecimento do bem estar físico, psíquico e social.

O caminho para restabelecer nossa saúde física, começa com uma alimentação saudável e a prática de atividades físicas. Com um objetivo não apenas estético, mas, por exemplo, para melhorar a nossa imunidade. Depois, para falar da saúde psíquica, eu tenho que conhecer as ansiedades e angústias dos pacientes, ouví-los e confortá-los. Finalmente, para falar da saúde social, eu tenho que entender o pensamento coletivo, saber das diferenças da sociedade, dos grupos separados por ideologias, religião etc. Compreender que todos acreditam nos seus anseios, e não serei eu que direi se são legítimos, apenas o tempo e a história. Enfim, temos que nos conformar que jamais agradamos a todos.

Após estabelecida a saúde, podemos seguir em frente. Como cirurgião plástico, eu procuro construir a beleza através de procedimentos cirúrgicos. No entanto, para ter sucesso no resultado o paciente deve, além de estar com a saúde plena, seguir as orientações no pós operatório, o que não é fácil.

Mas, voltemos às máscaras! Atualmente, vejo muitas caras de emojis, com lábios desproporcionais e alterações que desfiguram a identidade. De toda forma, vejo pessoas se escondendo sob máscaras. Tudo muito superficial, transitório e fútil. Não vejo profundidade em nada, não vejo conteúdo ou conhecimento. Apenas, dancinhas de quinze segundos. Não existe mais leitura, cultura, apenas uma desconstrução de tudo, da arte, da ética e da moral. Eu procuro construir boas caras, alegrando bons corações, aquiescendo mentes sãs. E tenho esperança que ainda nos livraremos das máscaras descartáveis e, principalmente, das más caras.


Isaac Furtado