segunda-feira, 11 de maio de 2020

A MÁSCARA




Quase tudo estava normal, até o momento em que ao atravessar uma rua apressadamente, minha máscara caiu. Tentei segurá-la sem sucesso. O vento alheio ao meu sofrimento brincava, como se ela fosse uma bailarina num balé com suaves movimentos em rodopios, que de longe mais parecia uma folha seca de outono. Aflito, ainda vi o momento em que ela pousou. Corri, e para o meu desespero vi aquele objeto precioso numa poça d'água na sarjeta. Fiquei ali alguns segundos, vendo aquele objeto afundar, até ficar apenas com a ponta do elástico para fora. Ali, inerte e olhando aquela cena, como quem vê uma pessoa se afogando, sem nada poder fazer. Assim, terminava o primeiro ato daquela tragédia. 
 Tentando escapar da rua, andava por entre ruelas cada vez mais estreitas, que mais pareciam um labirinto. O fluxo de pessoas ia aumentando, todas sem máscaras, felizes e alheias à pandemia. Algumas até tentavam conversar comigo, crianças, moças bonitas, e velhos pedindo informações. Eu me esgueirava para os lados, apenas colocando a mão para frente, sem abrir a boca, num gesto de pare: Afastem-se!. O segundo ato acabava com o protagonista, este que vos fala, a procura de uma simples pia para lavar as mãos.
 Depois de entrar em várias lojas procurando a bendita pia, todas cheias de clientes atraídos por promoções e muitos esbarrões, encontrei-a. Abri a torneira e saiu uma água minguada, amarelada de ferrugem, e para completar: Cadê o sabonete? Naquela altura, eu já me considerava contaminado. Foi quando, a mais ou menos um metro e meio, uma senhora deu um forte espirro. Daqueles que não dá tempo de segurar, colocar a mão. Eu senti as gotículas me atingindo, e aquele maldito cheiro característico. Pronto, era o meu fim, não sabia mais o que fazer. Diminui o passo, andando sem direção com os braços agora colados ao corpo, afora dois momentos em que tossi e cocei os olhos.
 Apático, perdido naquele labirinto e sem um fio para me guiar de volta, baixei a cabeça. Não havia ninguém, nem Teseu, nem um Minotauro. O meu inimigo era invisível, cruel e monstruoso nas suas atitudes. Parado no centro do palco, já febril, inspirei profundamente pela última vez, resignado com a minha impermanência. Terminava assim o terceiro e último ato.
 Suado, inclinei-me para frente em saudação, e dando dois passos para trás finalizei aquele pesadelo, digo aquela peça. O público estatístico no teatro lotado, titubeou em aplaudir. Todos estavam compadecidos com o triste final do bardo citadino. As cortinas fecharam. Apagaram-se as luzes, e no escuro da ribalta escutei os aplausos fervorosos, com os "bravos" reticentes. Depois de um minuto, ouvi passos apressados e uma correria para fora do teatro. Todos saíram desesperados para comprar uma máscara. Mas, era tarde, e a tragédia da vida real já estava acontecendo.


Fortaleza, 11 de maio de 2020.


Isaac Furtado 

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