domingo, 10 de outubro de 2021

Jamacaru

 


Hoje, eu acordei bem cedo em Jamacaru. Meu objetivo era fazer uma aquarela campestre do pequeno vilarejo. Separei meus dois pinceis favoritos, meu papel de algodão, colei com fita e avidez no painel de alumínio. Não estava de corpo presente, mas apoiado pelas asas dos drones do Google Maps Street View, um "ser" praticamente onipresente a nosso dispor. Percorri alguns metros sobre os paralelepípedos, pra lá e pra cá pela Rua Félix Italiano. Quase senti o frescor da manhã do pé de serra perto de Missão Velha, região do querido Cariri.
Meu objetivo era pegar o melhor ângulo do velho sobrado dos italianos, que ainda exibia sua altivez na fachada de azulejos portugueses e balaustrada singular de ferro trabalhado. Quase em frente ao sobrado ia passando um antigo morador, dei bom dia, ele ouviu, mas pensou ser uma assombração. Nas ruas, quase não havia ninguém, talvez ainda estivessem na missa do domingo da igreja matriz Nossa Senhora das Dores. Bati asas mais para o alto, queria ver melhor a igreja, afinal paisagem com uma igrejinha é sempre mais bela e a obra já fica abençoada. Na liberdade poética de todo artista, virei a igreja ao contrário, caiei bem de ocre deixando detalhes em branco (na aquarela, o branco não é ausência de cor, é luz e vida).
Com o ponto de fuga no pico da serra distante, fiz a minha perspectiva.  Um céu quase sem nada, e apenas um leve azul celeste para compor. Pela rua, pequenas casinhas coloridas emolduravam o calçamento. As plantas não podiam faltar. Competindo em altura com o sobrado, pintei um pé de Castanhola. E em primeiro plano, ao lado do casarão, o velho Bougainville que acabara de ser podado, pois seus galhos ainda estavam bem dispostos na calçada. Não me conformei em vê-lo sem os seus frondosos galhos, retrocedi algumas horas no tempo e pintei-os em verde e azul, com flores salpicadas de vermelho, tudo bem aguado. Finalizando a obra com alguns fios de eletricidade, cabos ópticos e telefônicos, que na realidade são poluição visual, mas na aquarela viram charme. 
E "voilà"! Terminada a encomenda do amigo João Filho, para ilustrar um conto do seu próximo livro. Enquanto a aquarela secava, eu tomava o meu café com a cabeça ainda na antiga Goianinha. Pensando, será que algum dia pisarei realmente ali? Essa é a magia da arte, de querer imitar a vida, de nos transportar além do sopé da serra, além da imaginação…

Isaac Furtado 

Para os curiosos que queiram visitar Jamacaru segue o link: 

https://maps.app.goo.gl/8wpcRFNRu9PoLx8W7