sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

O dia dos mil mortos.






    Dia 10 de dezembro de 1878, há 140 anos a cidade de Fortaleza começava a tomar forma de grande metrópole. O porto era a entrada e a saída de muitas riquezas, mas também atracavam males terríveis, como a Varíola. E esse dia especificamente, foi o ápice da mortandade, na cidade que padecia com a peste. Foram contabilizados 1004 mortos daquele dia, e apesar de mais de 60 coveiros terem sidos contratados dentre os retirantes, e da cachaça que era a força motriz para realizar tal tarefa, mais de 200 corpos não foram enterrados. No outro dia, nuvens negras de urubus cobriam a região da Lagoa Funda. Esse dia, depois, ficaria conhecido como O DIA DOS MIL MORTOS, morreram dos milhares de infelizes retirantes da pior seca já registrada, até a mulher do governador. (NETO, Lira. O poder e a peste: a vida de Rodolfo Teófilo. 2ª edição. Fortaleza: Edições Fundação Demócrito Rocha, 2001).

    Fiquei sensibilizado após ler uma matéria, peguei uma caneta Bic de quatro cores, daquelas que você aperta na lateral para escolher a cor, aquele papel mais grosso que forra o receituário e finalizei o brilho com um corretivo branco, produzindo assim esse pequeno desenho. Minha homenagem singela aos milhares que faleceram e foram sepultados em covas coletivas, memória triste daqueles anos sofridos de seca e doenças. Há 40 anos a Varíola foi erradicada, mas a seca ainda assola o nosso Nordeste.

Isaac Furtado

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Monalisa POP

Monalisa POP (acervo de Veridiana Brasileiro).

Gostar de arte é um dom, fazer arte é um dom maior ainda. Colecionar arte é um privilégio para aqueles que podem, maior ainda quando essa arte é compartilhada com o público. Há quem colecione artistas famosos, estilos específicos, ou apenas arte contemporânea. Mas, colecionar versões de um único quadro é uma ideia genial. E quando esse quadro é a Monalisa?

Conheça os Novos Olhares para Monalisa.
@novos_olhares_para_monalisa


Isaac Furtado

domingo, 28 de outubro de 2018

Mangue seco


Engana-se quem pensa que no mangue morto não há vida. Ela se esconde nas raízes, nas pequenas poças da maré seca, no galho mais alto e fino. Ela tem patas, escamas e asas.

Engana-se quem pensa que o momento é eterno. Apenas, a lembrança do sorriso inocente da criança que nada esconde. Apenas, dois minutos de prosa, ou seria poesia? Seria ela real, ou do mangue uma fantasia?

Engana-se quem pensa que o fim está no horizonte. Que os azuis não se misturam, que a espuma e a nuvem não se tocam. As raízes da imaginação descem e sobem na busca da criação, se abraçam à paisagem. E a beleza transcende, tornando-se imortal.


Isaac Furtado

Poesia publicada na 35a. Antologia da SOBRAMES-CE Lapso de Tempo. 2018.

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Cinzas da História




Com muito fogo, mas sem Luz...ia.
Ia a história e a memória, que ironia!
Ela não era uma Fênix. E das cinzas,
somente cinzas ficaram.

Com muita madeira, cupins já se fartaram.
E agora, ossadas de baleias,
de múmias duas vezes foram sepultadas.

Com muita pedra, foi construída.
Foi lar do imperador, de muito resplendor.
Foi a Quinta da Boa Vista, foi apatia.

Com muita água, o fogo findou.
E agora, para onde irá Luzia?
Impressa em 3D de migalhas?
Hipocrisia dizer que algo restou.

Isaac Furtado

02 de setembro de 2018.

domingo, 17 de junho de 2018

Retrato brasileiro



Hoje é dia de jogo da seleção, o Brasil tem apenas um rosto, um retrato com quatro cores sem manipulação. Não importa o significado dessas cores, se é ouro o amarelo, se o verde é de floresta ou esperança. Mas, são as nossas cores, nosso lábaro estrelado, nossa história de trancos e barrancos, nossa alma brasileira.

  Hoje, começa mais uma luta. Não aquela travada diariamente nas ruas, em busca de emprego, saúde, educação, segurança. Mas, uma luta para vencer uma partida. Um jogo que traz uma fagulha de esperança, traz orgulho, e aquele sentimento de pátria, de nação. Jogo que personifica a cara de todos brasileiros, essa nação tão plural e gigante. Vamos em frente, não para os lados. Vamos dar méritos aos melhores, aos esforçados, e punir os culpados. Pois, é assim que os pais educam seus filhos, é assim que se constrói um povo.
Hoje, vou ficar quieto, queria apenas dar um grito, num coro de mais de duzentos milhões de vozes. Aquele grito que explode em emoção. Não sou muito de futebol, mas sei da importância de uma simples bola para levantar uma nação inteira. Um povo tão sofrido, assassinado e assaltado merece só um pouquinho de laser. Que seja pão e circo, mas seja bom. Se temos uma marca, vamos mostrar ao mundo. Pois, somos o país do futebol. Brasil mostra a tua cara!

Isaac Furtado

quarta-feira, 23 de maio de 2018

As portas da percepção


O olhar representa o sentido mais importante, pelo menos para mim e para muitos artistas. O sentido da visão é estimulado sempre e enquanto estamos acordados, sendo nossa janela, nossa percepção do mundo. Olhar que a cada dia temos que deixar mais aberto e atento às mudanças. Olhar que deve ser cristalino, sempre consciente e sereno. Discordo do livro As Portas da Percepção (The Doors of Perception), de Aldous Huxley escrito em 1954, cujo título foi inspirado em uma frase de William Blake: “Se as portas da percepção estivessem limpas, tudo apareceria para o homem tal como é: infinito”. O conceito de Huxley estimulava experiências alucinatórias com drogas, como a Mescalina utilizada por muitos artistas da época com o intuito de “limpar” as portas da percepção. O meu conceito é diferente, devemos limpar as portas da nossa percepção de forma consciente, através do autoconhecimento. Com as minhas " Portas da Percepção " busco a lucidez, a criatividade cristalina e o talento como inspiradores da arte de uma maneira pura. Pois, diante dos nossos sentidos só nos restam os sonhos.
Existem outras maneiras mais saudáveis de abrir essas portas, como a meditação, a contemplação da natureza, o relaxamento e os jejuns. É exatamente fechando os olhos, afastando-se dos estímulos sensoriais (sons, cheiros, estímulos táteis) que podemos focar mais na essência das coisas. Para depois fazer a interpretação e a transmutação do interior para o exterior, abrindo assim as portas da percepção sem distorções. Pois, transformar não necessariamente implica em deformar. O mais importante no entanto, é nunca trancar as portas. Deixar o fluxo das informações fluir, deixar a passagem livre. Pois, um dia essa passagem será definitiva.

Isaac Furtado

Arte: Painel “As Portas da Percepção” é formado por quatro partes semelhantes à portas, com o total de 2.20/2.20m. Tinta Acrílica sobre madeira. 2018.

quinta-feira, 10 de maio de 2018

Labirintos verdes II


Alguns meses se passaram da sua última parada nas margens do rio. Após seis longos anos de estiagem, a chuva desabou dos céus aos borbotões.Trazendo vida em abundância e verdes de todos os nuances possíveis. A copa da Marizeira estava plena, dando uma sombra aprazível no banco de madeira ao lado, sempre ocupado. Apesar dos reparos e poda das árvores, a trilha estava mais estreita, pois a vegetação parecia ignorar o seu limite. Os Avencões com as suas longas palmas, pareciam querer abraçar os transeuntes. Cipós despencavam do alto, fazendo tranças e cortinas vivas. A vida parecia perfeita e incólume dentro daquela ilha incrustada no coração da metrópole. Cidade sufocada pelos males dos homens, sufocada pela intolerância, pela ignorância, arrogância, ânsia de vômito, somente aliviada pelo cheiro do mato, que aumenta à medida que penetramos os caminhos soltos do mangue. Refúgio de vida que transborda e nos ensina que - basta caminhar sereno, ouvindo os pássaros, sentindo a brisa molhada, observando as garças pescando, ouvindo o silvo dos soins. Porém, mesmo no centro do parque ainda ouvimos vestígios da civilização.

Anseio permanecer muitos anos por aqui, meditar pela trilha, caminhando através de pensamentos serenos. Sei que o tempo é implacável e, às vezes, quebra pontes sem querer. No entanto, aquele galho pesado que pende e cai depois do chuva, é apenas uma transformação, um desvio sem danos. Muito diferente das tempestades que assolam a cidade, atônita pela violência. E todos comentam - Que saudade do tempo em que ao invés de grades e muros, nós colocávamos cadeiras nas calçadas!

Isaac Furtado

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Segure firme!



O meu primeiro contato como residente com o professor Ivo Pitanguy foi no corredor da sua clínica. Eu já tinha dito que a princípio, iria apenas observar as cirurgias. Quando, de repente, fui puxado pelo braço - “Venha comigo!”. O professor chamou-me para auxiliá-lo numa cirurgia ambulatorial. Era um paciente com um tumor de ponta nasal, cirurgia feita apenas com anestesia local. Eu já estava mais nervoso do que o paciente. Era um senhor com os seus sessenta anos, com facies pletóricas, e eu pensei - Esse aí vai sangrar muito!
O professor muito educadamente me disse - “a sua função é apertar o nariz para evitar o sangramento”. E assim o fiz. Mas, de vez em quando, na minha inexperiência de R1 eu tentava limpar o campo com gazes, e o professor dizia - “segure firme!” O senhor, por momentos chegou a sorrir, talvez compadecido da minha situação de principiante. E eu, enquanto apertava o nariz, ouvia as palavras sábias do mestre. Ele, sabendo que a escritora Rachel de Queiroz era minha “prima velha”, como a mesma gostava que eu a chamasse, falou-me das histórias da Academia Brasileira de Letras e dos seus ilustres imortais. Enquanto isso, a cirurgia caminhava bem, sangramento a parte.
E eu, segurando o nariz, consegui dizer ao professor, que além de cirurgião era artista plástico. Ele logo se interessou pelo assunto e como um grande amante das artes, também deu a sua aula sobre o assunto. Falou-me de Dali e de outros grandes artistas que faziam parte do seu acervo. Por conta dessa conversa, através do Dr. Francisco Salgado, consegui logo depois uma bolsa da PUC para fazer as ilustrações cirúrgicas do professor, tanto para suas aulas, como para os trabalhos científicos.
Já rodado o retalho, eu estava mais controlado, mas ainda sem respirar normalmente. E apenas após o último ponto, quando percebi que podia soltar o nariz do paciente sem haver sangramento, consegui respirar profundamente. O professor disse - “faça um curativo compressivo”. Assim o fiz, e durante os três anos que estive no serviço, segurei muitos narizes, mamas e faces. Operei muito no terceiro ano da residência, o R3, e voltei para o Ceará com uma certeza: Quando você quer alguma coisa, você tem que segurar firme.

Isso aconteceu em fevereiro de 1993.

Texto publicado no livro Ivo Pitanguy, além do bisturi. Biografia de uma lenda; de Moises Wolfenson. 2017.