domingo, 4 de abril de 2021

Beleza e Medicina




A beleza está no conjunto da obra. A beleza imortal é o legado contínuo que transcende o corpo. A história da beleza humana através da arte, é a melhor forma de entender a evolução do que era considerado belo. Até o século XX, com a arte se desvencilhando da realidade. E a medicina ajudando na busca da beleza humana como ideal.

A medicina tem como objetivo primordial, prolongar a  saúde e perpetuar a vida o maior tempo possível. Em paralelo, a beleza na natureza também tem o objetivo de perpetuar a vida através do acasalamento. Pois, as espécies mais belas são mais procuradas, fazendo uma seleção natural. 

A história da medicina é muito baseada na Iatro História, muitas tentativas com erros e acertos. Hoje, estamos vivendo o exemplo do Coronavírus.

A primeira ideia de beleza nos vem à mente através da visão. E a citação “ A beleza está nos olhos de quem a vê” do poeta espanhol Ramón de Campoamor y Campoosorio, é a mais vulgarmente declamada.

Durante a evolução da humanidade, muito mudou em relação à beleza. Muitos padrões tornaram-se regras de ouro, outros foram rompidos. Para algumas culturas, pouco mudou. Como certas tribos africanas, onde os adereços ficaram inalterados por milênios. Um exemplo, é a tatuagem feita com espinhos que ferem a pele, findando em queloides. Esses relevos formam desenhos pelo corpo e pelo rosto. Adereços, jóias, cosméticos, todos empregados em nome da beleza.


O substantivo grego clássico para "beleza" era κάλλος, kallos, e o adjetivo para "belo" era καλός, kalos. Em grego koiné, a palavra para bonito ou belo era ὡραῖος, hōraios, um adjetivo que vem da palavra ὥρα, hōra, que significa "hora". No grego koiné, a beleza então era associada a "estar em sua hora / seu momento".  A palavra “bonito” chegou ao português no século 16. Descende do latim bonus (bom), provavelmente depois de uma tabelinha com o espanhol bueno, do qual tomou emprestado o diminutivo. Em resumo: bonito, na origem, é bonzinho. E para não deixar dúvida alguma no ar, “belo” vem do latim bellus, também diminutivo de bonus.


Os tipos de beleza podem ser divididos de três formas: Matemática, Genética e Cultural.

A beleza matemática é analisada de três formas: Harmonia, Proporção e Simetria. 

A harmonia é a ótima relação de proporção entre estruturas de uma determinada região, ou estrutura. Proporção é a relação de medidas constantes e em paralelo à outras estruturas. Como dizia Tomás de Aquino: “Os sentidos exultam ante coisas bem proporcionadas, já que estas se lhes assemelham; pois também os sentidos são uma espécie de razão, assim como qualquer força cognitiva.”

O matemático italiano Leonardo de Pisa, conhecido com Fibonacci, desenvolveu no século XIII uma sequência de números, onde a soma dos dois seguintes davam o valor do próximo. Formando uma espiral encontrada por toda natureza. De uma concha Nautillus, à espiral da Galáxia Via Láctea. 

A simetria dentro da beleza matemática pode ser classificada em: Rotacional, Translacional e Bilateral (Axial). Rotacional vista na Estrela do Mar. Translacional nas colmeias das abelhas. E a Axial é vista no nosso corpo, lado esquerdo e direito, dividida por um eixo axial. 

A beleza genética é transmitida pelas gerações, sofrendo pequenas mutações ao longo do tempo, com evoluções benéficas para sobrevivência da espécie. Os traços, como o tipo de cabelo, cor da pele, formato do nariz, fazem parte da beleza genética. No futuro, a ética na medicina irá determinar os limites, como a cor dos olhos, até altura da pessoa.

Finalmente, a beleza cultural formada pela associação de todos adereços de determinada sociedade. As pinturas corporais, tatuagens, queloides propositais, alongamento do pescoço - Mulheres Girafas na África, os pés pequenos das mulheres chinesas, ou os espartilhos das mulheres nas cortes europeias.

As primeiras representações artísticas eram amuletos para atrair uma boa fecundidade. Conhecidas como Vênus da Fecundidade. A mais antiga é a Vénus de Hohle Fels (35.000 anos. com 6 cm, encontrada em 2008 na Alemanha, com hipertrofia das mamas, e  regiões genitais. As mais famosas são a Vênus Willendorf 23.000 anos e 11 cm), e a Vênus de Laussel, com 46 cm. 

Os primeiros cânones de beleza foram criados no Egito, onde toda história foi transcrita nas paredes das pirâmides, e se eles queriam atingir a imortalidade, de certa forma, conseguiram, pois, seu legado ainda está lá cinco milênios depois. Os baixos relevos e as esculturas nos mostram uma civilização avançada em todos os aspectos, nas artes, medicina, engenharia etc. Os padrões de beleza esculpidos em bustos, como na esplêndida cabeça de Nefertiti, foram copiados pela civilização Grega no seu período arcaico. A fusão das duas civilizações pode ser encontrada em Alexandria, no período Helenístico, que teve seu final trágico na figura de Cleópatra VII, mito que reverberou por séculos, como ícone de beleza. Hoje, sabemos que sua beleza resplandecia não do seu físico, mas da sua capacidade de sedução, no domínio de várias línguas e persuasão.  

Impressionado, disse Napoleão na sua viagem ao Egito em 1798: “Do alto dessas pirâmides, quarenta séculos vos contemplam.” 

A Grécia foi indubitavelmente o berço da civilização ocidental, onde o domínio da escultura chegou ao ápice. As medidas humanas foram transcritas para construir os seus templos, utilizando o número phi (1.618) que era tido como divino, e sua proporção áurea era copiada por todos. Um dos artistas mais consagrados da época foi Policleto, que nos deixou grandes exemplares (como Doríforo, Discóforo, Hércules, Hermes, Hera, Efebo Westmacott, Amazona ferida), todos baseados no seu livro Cânone.

A Vênus de Milo, supostamente de Alexandros de Antioquia, 130 a.C. é um exemplo do perfil Grego. Na face, a região da glabela alta, continuando com o nariz, representa um exemplo deste padrão de beleza.

A história de Frinéia é muito interessante. Uma mulher muito bela na Grécia antiga, que era cobiçada para ser modelo de artistas. Contam que Eutias a acusou de profanar os Mistérios de Elêusis, mas, no momento do seu julgamento, Eurípedes disse: Mas, vêde: não seria doloroso condenar à morte a própria deusa Vênus? Piedade para com a beleza! A beleza a condenou e a salvou.

A história mitológica da Guerra de Tróia, também tem origem com a beleza. Páris escolheu Helena, mulher de Menelau, como recompensa por eleger Afrodite sendo a mais bela, em um concurso entre três deusas. Dando origem à guerra entre Troianos e Atenienses. 

Do outro lado do planeta, a civilização Olmeca, na América Central, com o Povo Jaguar (1500 - 400 aC.) fazia esculturas de cabeças colossais com fácies negróides.

No Brasil, o crânio de Luzia com traços negróides mostra uma civilização anterior aos ameríndios. Com mais de 12 mil anos. 


Umberto Eco, no livro A História da Beleza, nos fala da Beleza Apolínea e da Beleza Dionisíaca. Onde a Apolínea representa a beleza dos cânones, matemática, e a Dionisíaca é mais pela atitude, fugindo dos padrões clássicos.  


Na idade média, a arte volta-se para a religião, adornando igrejas e catedrais.


A obra O Nascimento de Vênus (1478), de Sandro Botticelli (1444 - 1510) é o primeiro tema renascentista exclusivamente leigo e mitológico. Mesma posição pudica é vista em várias Vênus (V. Capitolina, séc. II aC.)

  

No livro De divina proportione, Frade Franciscano Luca Pacioli. Com ilustrações de Leonardo da vinci nos deixou cânones clássicos da beleza. 


Frases clássicas sobre o belo:


“Beleza: onde vejo ordem na variedade, e onde, embora todas as coisas divirjam, todas concordam.”  Alexander Pope (1688 - 1744)


“O prazer com o belo é um deleite narcísico” Hegel.


No início do século XX o modelo de Le Corbusier - LE MODULOR, também era baseado no número Phi. O cubismo retifica a natureza, a estética é desvencilhada da natureza, a arte segue um caminho livre, pois a fotografia passou a cumprir o papel da arte por séculos. Vemos escolas variadas, como o Expressionismo, Impressionismo, Fauvismo, Cubismo, Abstracionismo, Arte moderna e Contemporânea, totalmente desvinculadas da estética.

A beleza na medicina vem da necessidade da reconstrução, principalmente no pós-guerra, com reconstruções de face, queimaduras, órteses de membros, e depois com a estética. Um nome que eu não poderia citar seria do professor Ivo Pitanguy, que nos deixou um legado, como a maior expressão da cirurgia plástica brasileira, elevando o nosso país como referência internacional. Um capítulo novo da medicina e da beleza é a Cirurgia Bariátrica, com a cirurgia geral e a cirurgia plástica tirando os estigmas da obesidade.


Concluindo, a história da beleza é o reflexo do conteúdo cultural da humanidade. A busca da imortalidade através da evolução da medicina. Construindo e desconstruindo, de uma arte feita um círculo sem feições, até múltiplas medidas bem definidas. Evoluindo de proporções corporais como guias exatos, até uma arte contemporânea sem regras, que hoje, não são padrões para a beleza humana. E, sempre, seremos atraídos por uma beleza imortal.


Isaac Furtado
Resumo da palestra Beleza e Medicina. Proferida na Reunião científico-cultural Ordinária, na Academia Cearense de Medicina. Em 11 de março de 2020.