domingo, 31 de julho de 2016

IBIAPABA



O velho cacto persistia indiferente a tudo,
sem muito visco, sem muita glória.
Ali, mudo com a sua coroa de espinhos,
sentindo-se abençoado pela igrejinha.
Outra demão de tinta foi dada,
e a praça toda caiada fazia
lembrar a inocência doutrora.
As cadeiras de balanço nas calçadas,
comadres a falar da vida alheia.
O jogo de dominó no bar da esquina.
E a buzina da bicicleta desenfreada
esbarrava no tempo, trim-trim...
A antiga estação de trem
da pequena Ibiapaba
fica logo ali em baixo.
Esperando por finas encomendas,
despachando finados desenganos.
O rio PotI suspira,
mas, ninguém o ouve,
e as suas intermitências
ficam cada vez maiores.
Esperando antigos favores,
uma represa d'água que não chega,
uma breve solução almeja.


Já passava do pino do meio dia,
o movimento da praça desapareceu.
Apenas um cachorro procurava por uma sombra.
O vento quente do sertão deu uma rajada,
e as frondosas Acácias se agitaram,
avisando que ainda havia vida por ali.


O velho cacto observava imóvel,
ali sentado no seu trono
de lata enferrujada.
A espera da próxima chuva,
da promessa pífia da política.
Aguardando aquele céu bonito,
que aparece quando o inverno dá a sua graça.
Aguardando que a sua prece seja rogada.
Pois, esperar por quase nada,
é a sua triste sina.

Isaac Furtado

domingo, 24 de julho de 2016

Máscaras da Humanidade

Os filósofos há muito tempo já nos falam do paradoxo do contrário, onde a juventude e a velhice coexistem no mesmo ser, mesmo corpo e mesma alma. Existe sim beleza na velhice, no “saber envelhecer”, pois existem aqueles de setenta anos que têm a mente de jovens, e no contrário, aqueles que já nascem velhos. Não como no filme “O estranho caso de Benjamin Button” em que o protagonista vai ficando mais novo com o passar do tempo, até morrer como um bebê no colo da sua amada, mas, pessoas que negam veementemente as marcas do tempo. Ao contrário de muitos filósofos, eu acredito que as marcas externas impressas na nossa face não são o verdadeiro problema, mas sim, as rugas escondidas na mente que tornam velhos aqueles que colocam suas máscaras sem cuidar do seu interior.


Os anseios narcísicos são maléficos quando, isoladamente, são buscados de uma maneira impensada e como forma de preenchimento de algum vazio, ou trauma interior. E desta maneira torna-se danoso àquele que em nome da autoestima trata apenas das máscaras superficiais.
Confrontando a cirurgia plástica e a psicanálise, eu diria que a primeira trata da máscara externa, e a segunda, das máscaras escondidas nas entranhas do inconsciente. As duas são de difícil tratamento, a cirurgia exige uma habilidade por parte do cirurgião plástico, não apenas de saber operar, mas de compreender os anseios particulares de cada paciente. E a psicanálise, pela paciência por parte do psicanalista em saber conduzir por anos uma catarse que não necessita de bisturi, onde o mal será extirpado pela palavra do analisado. E desta forma, estas máscaras podem sim, ser tratadas e cambiadas em nome da beleza, ou da juventude.
Não é pecado querer ser jovem, ou pensar-se como tal. Estamos vivendo em uma era de muitas benesses, onde a medicina oferece todo amparo para o corpo (da pele à calvície, do hormônio bioidêntico ao alimento integral, da cirurgia endoscópica ao quimioterápico). A literatura oferece toda informação possível para construção do nosso saber (da internet à livraria, da literatura de autoajuda às biografias completas, do artigo científico às redes sociais).
Hoje, a informação está literalmente no ar, só não se informa quem não quer. Só envelhece mal quem quer, pois todos sabem dos males do cigarro, do colesterol etc. Tem pessoas que ainda comem batata frita com refrigerante, que vivem de maneira sedentária e frequentam fumódromos. Em tudo há dualidade, o fazer ou não fazer o certo ou o errado. A natureza humana é dual, o corpo e a mente, o conflito e o equilíbrio. Devemos caminhar juntos em prol do “saber envelhecer”, e a fonte da juventude está no equilíbrio, no caminho do meio. Em comer bem, não comer muito, em dormir bem, acordar, ser feliz, amar, fazer cirurgias plásticas, terapias, brincar com as máscaras do tempo como no teatro, sabendo que sempre existirão as duas – a da comédia e da tragédia.

Isaac Furtado

terça-feira, 19 de julho de 2016

A IMORTAL E OS LEÕES



Me aventurei adentrar pela praça iluminada.
Senti um vazio, nela ninguém transitava.
Perdera sua alma, seu motivo de ali estar.

Não havia mais risos, nem velhos amigos.
Tão pouco namorados a cochichar segredos.
As crianças que ali brincavam já se foram.
Ficaram apenas alguns gatos a vadiar.

O coreto no centro da praça acolhia o silêncio.
Outrora, testemunho de versos declamados.
Onde hinos e marchinhas animavam esperanças.

Um vento soprou de repente, revirando velhos jornais
e avivando cheiros nada agradáveis de respirar.
Caminhei mais um pouco naquela solidão.
Ouvindo uma música de alguma festa distante.

Vi a lua surgindo portentosa, querendo animar.
Mas, indecisa escondeu-se atrás do velho Ficus,
e já cansada de seguir sozinha pela noite, dormiu.

Vi dois bancos ocupados e sinistros vultos a vagar.
Muitas luzes cintilavam naquele palco vazio.
Ao longe, os vitrais da catedral coloriam.
Mas, tudo era nostalgia naquele lugar.

Vi a querida Rachel no seu banco pedestal.  
A imortal descansava sob o seu manto de bronze.
Vi que novamente levaram-lhe os óculos. Até sorri.

Já saindo, vi que os bravos leões não rugiam mais.
Eles hibernavam como num transe atemporal.
Vi então, que toda praça estava dormente,  
Esperando por mim, por você, pela gente.

Isaac Furtado

Obs.: Poesia feita após um breve passeio pela Praça dos Leões.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Às três horas da manhã.



Nunca me acostumo com a morte. Vai dizer que foi cedo, ou que foi pouca a sorte? Nunca consigo dizer se foi boa, a morte. Doravante, no meu peito insone se forma um aperto e um pingo distante se faz a cada minuto mais audível. Navego no intuito de entender esse mistério escuro e indecifrável.  
Às três horas da manhã, o tempo congela, o pingo engasga, mas continua a cair compassadamente ...com-pas-sa-da-men-te.
O pensamento me esmaga, o ar já se foi, restou apenas uma força de ficar mais um pouco. Receber um carinho, um afago, um cheiro.
A noite quente parece me devorar. Não ouço mais o pingo. Minha vista embaça,  pede descanso. Mas, sou um vigia de sonhos, aquele que pinta no escuro salpicos que se dizem estrelas. Aquele que busca na ingênua poesia uma exclamação. Aquele que brinda com vinho, brinca com sangue e se acha um Pigmaleão.
Continuo a escutar o seu ronronar, como um mantra a me absorver. E sem querer me despedir do seu lindo olhar, me pergunto, porque chorar?
Se tudo um dia se acabará. Se o verde das folhas, o outono irá devorar. Se as brancas dunas ciganas, o vento irá soprar. Até o dia que não nasce, vingará! Então, porque seguir? Se o ficar é mais fácil. Se o suspirar é mais doce do que o grito. Se o calar consente e a palavra fere.
Espere, então entre o ir e o ficar, conheço apenas uma palavra que transita por mundos e atende por AMOR.
Aquela que arde na noite quente,
que perde o ar e o sentido.
Aquela que tudo transcende,
que diz não à razão.
Aquela que atravessa o dia para se entregar à escuridão, que foge de todas as explicações possíveis.
Aquela que cala, grita e consente,
que faz o tempo parar e nos torna invencíveis.
Aquela que se explica, simplesmente
por existir. Pois, se não houvesse o amor, para que então viver por aqui?
Amamos sim, e por maior que seja esse amor, um dia alguém irá sofrer, volvendo como um ciclo de vida e morte, de dor e prazer as três horas da manhã.

Ah! E se alguém disser que essa é a hora do cão, esse aí nunca amou ou sofreu de paixão.

Obs: esse texto poético foi feito em homenagem nossa gatinha Maria Alice que nos deixou.

Isaac Furtado