segunda-feira, 9 de setembro de 2019

TRANSIT GLORIA





Fitei o espelho, buscando algo do outro lado.

Procurei além da pele, carnes e matéria.

A essência que anima, a alma além do animal.

Esperei algum sinal, algo além das rugas

e dos brancos cabelos arrogantes.


O silêncio de um papel sobre a mesa.

O lençol da cama a espera dos amantes.

O canto à palo seco das madrugadas.


Fitei o espelho, implorando por respostas.

Procurei atalhos no ontem e no amanhã.

A eterna e divina matriz de tudo que se move.

Esperei a folha secar, o vento abrandar.

Nada! Somente ideias vãs e fogos-fátuos.


Esperei o mapa do meu estado se transformar.

Seus quatro cantos percorri. Vi extremos

da praia ao sertão, da fartura à desolação.


A tinta da caneta eu sei que irá secar,

a bulha no meu peito, a dor em peso,

o traçado de um eletrocardiograma,

o ritmo de toda essa bossa,

já não tão nova, irão parar.


Se passageiros nesse mundo somos,

quero a glória transitória abraçar,

e beijar o espelho d’alma.


Pois, imortal é a beleza do bem fazer,

é o último romance assinado,

o quadro pendurado na parede,

o filho mais novo já formado.

Imortal é o amor de um bem querer.

Isaac Furtado
(Poesia do livro CADERNO 53, lançado recentemente na XIII Bienal Internacional do Livro do Ceará.)