quarta-feira, 20 de maio de 2020

A MESA DA CRIAÇÃO



A mesa da criação estava posta. A luz, o verbo e a proposta de tudo que existe. A inspiração veio da Sistina, obra-prima do mestre Renascentista. Afresco central que foi o primeiro passo daquela construção. Mas, sobre aquela mesa não havia garfos, nem facas. Postos quase em simetria, estavam o Criador e a criatura. Figuras que depois de dias de trabalho misturaram-se, ficaram somente ossos expostos, descarnados de qualquer dor. Articulados em extensão, na ânsia por um encontro, uma arrebatação. E no toque da falange distal fez-se Adão, arremedo de um único projeto. Homem faltante e faltoso, bom e maldoso na amálgama da confusão. Sedento por sua Eva, ansioso por um ato, uma consumação, um pecado ignorado.
De lá para cá muita história aconteceu, o fogo de Prometeu, os romances de Voltaire, o tempo inventado com ponteiros a nos lembrar. Mas, o tempo não gira, ele apenas segue. Fugidio como a areia que escorre por entre os nossos dedos, como a sombra que passa sob os nossos pés. "Tempus fugit"!
Nós somos criaturas de dupla essência, uma alma pedinte por salvação e um corpo sedento por paixão. Mas, quem vencerá? O vírus ou a vacina? O tempo ou a sorte? O Sol ou a neblina? A pergunta ou a resposta? Quem será mais forte no poema de Kipling, o rei ou a plebe? Quem será de se senhor, nessa vida que segue?
Eu apenas pinto velas e esfinges, mementos da nossa impermanência. Transcedo o triste momento, seguindo a minha vontade. Criando esboços sobre espuma de sabão. Sou súdito de uma beleza, de uma lunática ambição, a imortalidade.

Isaac Furtado 

2 comentários:

  1. O que dizer quando se unem talento e sensibilidade? Dessa junção só pode surgir: "Beleza Imortal"! Parabéns isaac!!!

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